#VaiPraCuba
Dois dias após meu retorno de Cuba, é 1° de maio de 2017, o dia da grande Greve Geral no Brasil – a maior após a redemocratização, e eu d'escrevo...
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Latina e filha de militantes, Cuba sempre esteve no meu imaginário.
Primeira semana de 2017, madrugando reflexões, resoluções – clik! – vou pra Escola de Cinema em Cuba (uma das melhores escolas do gênero no mundo). Cá pra nós foi só um suspiro meu naquele momento. Imagina só, os cursos lá são super concorridos, estou a beira da falência financeira... não pira, Guaíra! Mas mandei meu currículo.
E em menos de 3 meses, lá estava eu na ilha mágica. E já de antemão digo: ainda estou a digerir tal experiência... que intensa, confusa, complexa, emocionante.
Foram 26 intensos dias na ilha. Grande parte do tempo dentro do universo paralelo da Escuela de Cine (aqui é assunto para oooutro papo). Finais de semanas perambulantes na busca de ver/entender um poquito más da ilha cheia de segredos.
Si si, o famigerado socialismo perdura sim. Claro, muito diferente de 58 anos atrás, quando tirou milhares de pessoas da fome e das ruas.
Mas não, não vi gente alguma vivendo nas calles. Não vi favelas, não vi pessoas nos semáforos, não vi crianças trabalhando em nenhum lugar, pelo contrário, sempre caminhando pela cidade com seus uniformes escolares padronizados (muito elegantes, diga-se de passagem). Cuba e a proeza de não ter pessoas vivendo na extrema pobreza.
“Ahh, mas em Cuba um profissional, com formação, ganha muito pouco. É um absurdo!”
As pessoas ganham pouco se você comparar com o estilo de vida médio de qualquer outro lugar. O que fazemos nós com uma média de 20 dólares ao mês na republiqueta Brasilis? Nada. Portanto você vai achar que o salário deles é baixo.
Bem, o estudo em Cuba é público, não existem escolas nem universidades privadas (exceto para estrangeiros). A universidade não é apenas para quem tem platas – na lógica socialista todos tem o mesmo direito. Já imaginou uma sociedade sem analfabetos? Então.
Cuba investiu muito dinheiro para conseguir com que seu sistema educacional fosse de qualidade. Durante as décadas de 1980 e 1990, a relação com os gastos entre educação e o produto interno bruto estava entre as mais altas do mundo.
[ Um parêntese ] Eu, informívera que sou, através de um site de notícias brasuca, li que naquela semana uma alunA de jornalismo de uma universidade cubana tinha sido expulsa da graduação por ter escrito contra o regime... é! ...
É, resiste e persiste (me deparei com um!) os "Comités de Defensa de la Revolución" por todas as cidades do país. É o Grand Hermano real e sem câmeras! Comités-BBB onde guardas, simpáticos, vigiam tudo e todos.
Regime...
"Tá, mas pq os cubanos não se alimentam do que vemos/comemos nos restaurantes?"
Na verdade, eles nem vão a restaurantes. O rango nas casas é bem, bem básico. Vegetarianismo? Privilégio que esse país, que culturalmente cria porcos e galinhas no quintal, não tem.
A 'caderneta' do racionamento é o que regula a venda de alimentos a preços subsidiados e oferece o básico a um preço muito mais baixo do que o praticado no comércio particular. Oferece, ao povo, a chance de não morrer de fome. E não morrem.
Dentro da lógica que provê o básico para o seu povo (entende-se moradia, alimentação, saúde e educação) esse parece ser o justo.
Sim, também vi muitas pessoas vivendo em casas caindo aos pedaços, cortiços. Outras em casas bieen más bacanudas para o padrão. É, parece que até no socialismo existem classes sociais.
“Ahh, mas se todos têm o básico para a subsistência, pq tanto trabalho informal? Tá vendo só, o regime não funciona!”
É, o salário é praticamente o mesmo para todos, TODOS. E, de fato, nas últimas décadas, principalmente com o fim da União Soviética, muitos encontraram no turismo o pote de ouro.
“Mas, ué, essa ânsia ao consumo não é fruto do capitalismo?” Pois é. Ele, de alguma maneira, chegaria. Chegou! – e já era de se esperar.
A internet lá, por exemplo, é luxo. Nem pense você que eles podem ver Netflix ou dar aquela navegada deitados na cama... [ “Carajo, é sério isso?” ] Si, wifi é nas praças públicas (algumas) e, as tarjetas de internet, tipo o nosso museulógico cartão telefônico, custam 3 CUCs. Aproximadamente R$10 por apenas una horita de acesso.
Você não vê cubanos passeando de iPhone... no, no.
Os meus últimos dias na ilha foram na casa de seu Luis, em La Havana Vieja e ao caminho do aeroporto, eu, niña do mundo capitalista, o questionei quanto a este novo momento de Cuba: Fico aflita, tío! E agora, depois da aproximação dos EUA (o Trump!) e da morte do Fidel?
Ele sorrindo disse: “Cuba está mudando já faz muitos anos. Não se iluda!”...mas com ressalva, concluiu: “Tem muita gente insatisfeita? Tem. Não é a maioria. O mundo muda, mudamos também. Mas ainda é presente a revolução entre nós, entre os jovens. Ainda não dá pra saber como vamos construir este futuro..."
Minha angustia é latente. Na verdade, mais que nunca, cá estarei aprendiz e atenta pra ver como será que a Ilha vai transar justiça social junto ao capital (lê-se sociedade de consumo).
Bueno, há muito o que falar...!
Cuba realmente é o lugar para desconstruir ideias, pré-conceitos sobre o socialismo/comunismo. Para repensar o termo ditador que se dá a família Castro. Repensar a ideia de que tudo funciona muito bem, obrigada. Repensar ideias quando manda um esquerdista para lá - pois visitar Cuba é um privilégio de quem tem dinheiro, viu!
Questionar o que passa ali, e aqui, é uma oportunidade de transmutar, mudar paradigmas de fato.
Mas você pode ignorar tudo isso e ir somente para relaxar em uma das praias paradisíacas do Caribe (igual aquelas que você vê no Pinterest). Não é isso que costuma-se fazer por aqui também? Aproveitar la vida e o fruto do “esforço” de cada dia ignorando o que acontece com os que estão na base da pirâmide?
É... quando o filho do campesino e o filho do político estudam na mesma escola, aí sim você pode falar em meritocracia.
Portanto, se te mandarem pra lá, não pense duas vezes. Vá aberto para voltar tão confusa-encantada quanto eu.
Não é isso, nem aquilo. É Cuba.
Maravidjiosa!